19/04/2024

O inevitável fim dos orelhões

Em nova reportagem especial, o Minha Operadora traz um panorama da situação atual do telefones públicos. Ainda existe alguma funcionalidade para eles?

Quando foi a última vez que você usou um telefone público? No início dos anos 2000, as cidades brasileiras tinham nada menos que 1,3 milhão de orelhões, o que, na época, correspondia a um aparelho para cada 124 pessoas.

Era fácil encontrar um telefone público. Eles estavam presentes nas ruas, próximos de prédios públicos e estampavam as paredes de estações de trem, aeroportos e terminais de ônibus. Era comum ver filas para utilizá-los.

O formato característico do “orelhão” foi desenhado pela arquiteta sino-brasileira Chu Ming Silveira. A inspiração do projeto bem-sucedido foi o formato do ovo, que possuía, segundo ela, “a melhor forma acústica”.

Durante os anos de 1980 e 1990, os telefones públicos eram parte da cultura pop, estando presente em muitos filmes e tendo um impacto significativo na sociedade ocidental. Quem não lembra de Clark Kent, que para se tornar o Superman, precisava entrar em uma cabine telefônica para trocar de roupa?

Já no futuro distópico de 2019, imaginado no clássico de ficção científica Blade Runner, faltavam smartphones com os personagens e sobravam orelhões nas ruas.

No entanto, essa realidade mudou bastante nos últimos 20 anos. Embora essas relíquias do passado continuam a diminuir em número, ainda é possível encontrá-los.

Hoje, existem nada menos que 213 mil orelhões espalhados pelo Brasil. Eles ainda estão nas calçadas, pois ainda servem a um propósito: são considerados ativos valiosos quando ocorre alguma emergência e o usuário não tem outra opção para ligar para a polícia ou os bombeiros.

Projeto original do “orelhão”. Imagem: orelhao.arq.br

Porém, em um país em que existe mais telefones celulares ativos do que habitantes, é meio difícil imaginar que alguém não encontre um meio de fazer um telefonema sem que precise recorrer ao antigo orelhão.

Muito provavelmente, na falta de um celular à mão, a pessoa preferirá pedir o telefone emprestado a um estranho a usar um orelhão. Considerando, é claro, que todas as cidades brasileiras tenham uma ampla e boa cobertura de telefonia móvel, o que infelizmente ainda está longe da realidade.

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Com isso, conforme os celulares se tornaram mais populares, os telefones públicos passaram a ser relevados pela população. Para as operadoras, manter a infraestrutura funcionando deixou há muito tempo de ser rentável.

Com a demanda baixa, a questão é o que fazer com toda essa infraestrutura obsoleta. Caiu a ficha? Isso mesmo, o seu desligamento!

A regulação dos telefones de uso público

Assim como outros serviços de telecomunicações, os telefones públicos também são regulados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) por meio dos orelhões é considerado um direito dos usuários e uma obrigação das operadoras de telefonia.

Com a privatização das teles, em 1998, as operadoras teriam que cumprir metas de universalização, o que incluía os telefones públicos. Os municípios com mais de cem habitantes teriam o direito de, pelo menos, um orelhão instalado em um local público e que ficasse disponível 24 horas por dia.

Foto: orelhao.arq.br

A meta era que fosse mantido um telefone público a cada 300 metros e existisse uma densidade de 4 telefones públicos para cada 1000 habitantes.

Desde a fundação da antiga Telebrás, o número de telefones públicos subiu significativamente. A quantidade de orelhões saltou de pouco mais 10 mil unidades, em 1972, para 1.378.700 aparelhos, em 2001, quando eles chegaram ao seu auge. Desde então, o número vem caindo a cada ano.

Em 2018, com a aprovação do novo Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), a Anatel preferiu cobrar das operadoras a expansão da conexão banda larga, em detrimento do telefone público. Com isso, desde o ano passado, mais de dois terços dos orelhões já foram desativados e o ritmo continua acelerado.

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No entanto, a Anatel informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os orelhões ainda apresentam importância nas pequenas localidades, nas cidades mais distantes dos grandes centros, e também nas que não apresentam os demais serviços (serviço móvel e internet). A agência frisa que os orelhões continuam sendo uma opção nos casos de emergências.

Consultada pelo Minha Operadora, a Oi, operadora que possui o maior número de telefones públicos no país, afirmou que “a companhia manterá orelhões em locais onde potencialmente possa haver demanda, como shoppings, escolas, postos de saúde, hospitais, órgãos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, estabelecimentos de segurança pública, bibliotecas, museus, terminais rodoviários, aeroportos, bem como em localidades hoje só atendidas com orelhão”.

Ainda existe um futuro para os orelhões?

O grande problema dos telefones públicos atuais é que eles permaneceram tempo demais desatualizados. Após a migração das antigas fichas telefônicas para a tecnologia de cartões indutivos, em 1992, muito pouco mudou na infraestrutura dos orelhões.

Com a mudança de hábito da população, cidades, empresas e órgãos governamentais, do Brasil e também do exterior, tentam dar uma nova vida aos orelhões. A ideia é ir muito além de ligações gratuitas locais, mas também dar outras funcionalidades aos telefones, como telas de acesso para serviços da cidade, mapas e rotas para turistas, além de servir de estações de carregamento de celular.

Projeto piloto de telefone público para os EUA. Foto: CityBridge

A regulamentação da Anatel relativa ao telefone de uso público permite a utilização de formas alternativas de pagamento e a possibilidade de veiculação de publicidade no equipamento. Neste sentido, existe a possibilidade de utilização dos orelhões para novos modelos de negócios a depender do interesse de alguma empresa.

Neste sentido, algumas cidades brasileiras, como Florianópolis e Rio de Janeiro, também já experimentaram transformar os telefones públicos em pontos de acesso Wi-Fi. Tais iniciativas seriam um pontapé inicial para o admirável mundo novo das “cidades inteligentes”, onde diversas infraestruturas seriam conectadas em rede, provavelmente no 5G, oferecendo serviços públicos diversos aos cidadãos.

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Recriar essa infraestrutura clássica seria um convite para que usuários, designers e engenheiros ajudassem a imaginar o que o orelhão poderia se tornar se pudesse ser mais do que apenas um telefone.

No entanto, tal tecnologia tem um preço e as operadoras não estão dispostas a arcar e a obrigatoriedade atual do orelhão é apenas das concessionárias do STFC e apenas para a disponibilização da telefonia fixa. Com a aprovação do novo marco legal das telecomunicações, que permite a alteração da modalidade dos contratos das operadoras de concessão para autorização, deve colocar fim às metas de universalização dos telefones públicos.

A nova legislação dá enfoque na expansão da banda larga fixa e das redes 4G e, futuramente, o 5G. Dessa forma, os orelhões deixam de ser prioritários.

Por isso, fica a dúvida: chegou o momento em que os orelhões e outros telefones públicos se tornem obsoletos?

Foto: orelhao.arq.br

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