27/03/2024

Pirataria e impostos são os vilões da TV paga, diz especialista

Em entrevista exclusiva para o Minha Operadora, CEO do grupo Stenna explica o que pode ser feito para diminuir a queda do número de assinantes.

Embora o consumidor esteja cada vez mais exigente quanto ao conteúdo audiovisual que consome, o modelo tradicional de TV paga tem perdido cada vez mais assinantes.

Em seu auge, no ano de 2014, o setor acumulou quase 20 milhões de assinantes, em decorrência da Copa do Mundo, realizada no Brasil. Porém, de lá para cá, o setor tem perdido gradualmente seus clientes.

Atualmente, esse número está em 15,1 milhões de assinantes, com uma densidade de 21,4 acessos para cada 100 domicílios.

Em conversa com o Minha Operadora, Carolina Vargas, CEO do grupo Stenna, fez uma análise do cenário atual do mercado de TV por assinatura e sugeriu mudanças para interromper a queda gradual no número de assinantes.

Especialista em direito do entretenimento e plataformas digitais, como VOD, OTT e streaming, Carolina vê a queda no número de assinantes como um reflexo dos altos impostos cobrados no Brasil, da inflexibilidade dos grandes conglomerados de mídia, da competitividade do setor, além do aumento da pirataria.

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A executiva defende a busca por modelos não tradicionais de entrega de conteúdo como um grande diferencial para a TV paga no futuro.

Porém, ela não acredita que o mercado venha a acabar. Na opinião dela, há espaço para que a TV por assinatura possa se reinventar e conquistar vantagem competitiva.

O grupo Stenna, empresa a qual Vargas é fundadora, tem trabalhado no negócio de distribuição, intermediação e agenciamento de conteúdos, facilitado as negociações e auxiliado operadoras na exploração de novos planos de negócios.

“São muitos os casos em que precisamos reeducar nossos clientes quanto a necessidade de expandir sua oferta de conteúdo através de uma distribuição pensada tanto para o linear (TV) quanto para o digital (streaming)”, diz Carolina.

Confira abaixo a entrevista exclusiva com Carolina Vargas, CEO do grupo Stenna.

Mês após mês, o mercado de TV por assinatura no Brasil vem encolhendo gradualmente. Na sua opinião, por que isso está ocorrendo?

O comportamento do consumidor para o modelo de TV paga tradicional está em queda, de fato, e o fenômeno do cord-cutting nunca foi tão comum. Entretanto, a audiência e a procura por conteúdo de qualidade está cada vez mais concorrida.

No dia a dia, durante a prestação de serviços do grupo Stenna para o setor de telecomunicações, são muitos os casos em que precisamos reeducar nossos clientes quanto a necessidade de expandir sua oferta de conteúdo através de uma distribuição pensada tanto para o linear (TV) quanto para o digital (streaming).

A atenção do consumidor está sendo cada vez mais competida, e o declínio da TV paga vem para nos mostrar que a forma de entrega de conteúdo é o que mais precisa se adaptar ao novo conceito de TV por assinatura.

Nenhuma mudança é tão rápida, e a queda da TV paga tradicional permanecerá até que os meios encontrem um modelo de comercialização não tradicional, que se adapte às mudanças de comportamento da audiência.

Porém, como foi com a mudança do jornal físico para a expansão digital, vejo que as operadoras — mesmo com as barreiras de negociação dos grandes estúdios — já encontraram alguns meios de entrega que tem feito enorme sucesso, como é o caso do NOW, Vivo Play, Sky Play, Oi Play.

O que as operadoras poderiam fazer para reverter esse cenário?

Em minha percepção, as grandes barreiras hoje não são tecnológicas, e sim negociais.

As programadoras e os detentores de conteúdo precisam ter flexibilidade de negociação para que as operadoras tenham força de reverter este cenário, ou pelo menos, para que elas tenham poder de entrada, como as demais plataformas on demand.

Nós na Stenna buscamos sempre flexibilizar as negociações que intermediamos, com modelos novos de rentabilização, publicidade, entrega e até mesmo integrações entre plataformas.

Você tem exemplos de iniciativas que têm sido feitas por operadoras brasileiras que estão alinhadas com o futuro da TV paga? E quais não estão em linha com as novas tendências?

Há atualmente algumas operadoras descentralizadas que estão encontrando modelos de entrega em todas as pontas, tendo como diferenciais pacotes de programação com conteúdos que não possuem nas grandes operadoras e que oferecem ao assinante local um atendimento diferenciado.

Meu maior exemplo é a luta que a Abramulti (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações) está fazendo com um projeto de popularização de TV paga no Brasil, onde o Robson Lima, atual presidente da associação, une forças com a Ancine e ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura) na luta contra a pirataria e para a diminuição dos encargos provenientes, a fim de democratizar o valor final da TV paga para que haja uma penetração ainda maior em território nacional.

A tendência é justamente esta: a luta contra a pirataria, que é um mercado imensurável e um dos principais fatores para o declínio de base da TV fechada; facilitar o acesso por programações diferenciadas ao assinante final através de plataformas que conseguem funcionar em qualquer região do Brasil; e, principalmente, unir esforços entre programadoras e operadoras.

Por que a TV por assinatura é tão cara no Brasil?

Hoje a TV por assinatura no Brasil ainda se encontra menor que média mundial. Isso acontece devido ao alto valor agregado na busca por conteúdo diferenciado e porque, não só na TV paga mas em qualquer serviço, os impostos, tributos e demais taxas, tanto para o operador quanto para o programador, acabam inflexibilizando o valor final do produto.

Além disso, somando os demais serviços ofertantes, como telefonia, internet e voz, o custo infelizmente fica muito alto para o consumidor final.

Nos Estados Unidos, a Verizon tem testado um novo sistema de assinatura, extinguindo contratos anuais, cortando taxas e permitindo que o usuário personalize seus pacotes de TV, escolhendo os canais que mais assiste. Você acredita que esse modelo poderia funcionar no Brasil?

Sem sombra de dúvidas funcionaria no Brasil. O grande problema atual são os grandes conglomerados de programação que são totalmente inflexíveis no país, que, além de gerar concorrência totalmente desleal entre grandes programadoras e operadoras pequenas, inviabiliza toda a fomentação da cadeia audiovisual.

Aqui, este modelo apenas daria certo se todos os programadores entrassem em acordo de flexibilização de entrega, gerando menor concorrência entre os mesmos e maior entrega de conteúdo em modelos não tradicionais. Vejo este modelo funcionando, porém, enquanto a mentalidade dos atores da indústria não mudar, isso não acontecerá a curto prazo.

Recentemente, a Anatel liberou a comercialização de canais lineares na internet. O que essa decisão representa para o mercado de TV por assinatura no Brasil?

Representa um marco extremamente importante para o crescimento da distribuição do conteúdo, que luta contra a pirataria.

Infelizmente, nosso setor de telecomunicações tem como principal concorrente a pirataria, que mesmo com todos os canais tendo seus critérios de criptografia extremamente rígidos, essas operações clandestinas conseguem quebrar a barreira e distribuir ilegalmente para um mercado que acaba sendo concorrente das operadoras que lutam pela entrega na legalidade.

Porém, insisto na união dos programadores para que este mercado seja sempre totalmente legalizado e que haja a flexibilização das negociações de programação.

Como você espera que o setor de TV por assinatura evolua nos próximos anos?

Eu acredito na mudança do modelo de entrega do serviço, na diferenciação do conteúdo e, principalmente, na evolução das plataformas streaming.

Com um público cada vez mais exigente, eu espero que a TV por assinatura no Brasil possa viver a mudança estrutural que outros países vivem, tendo principalmente a chance de redução dos custos de programação e a possibilidade de escolhas sob gêneros, como acontece em muitas operadoras ao redor do mundo.

Você acredita que os serviços de streaming vão fechar o mercado da TV paga?

Não acho. Existe público para todas as plataformas, assim como há para todos os gêneros. O espaço da TV paga, em minha opinião, irá se reinventar, eventualmente de maneira mais próxima ao streaming.

Temos gêneros de programas que não permitem que os canais entreguem completamente em streaming, como esportes e jornalismo ao vivo, o que deixa a TV paga em vantagem.

Como o grupo Stenna pode contribuir com o futuro do mercado da TV Paga no Brasil?

O grupo Stenna tem trabalhado fortemente para se diferenciar, trazendo programação do mundo inteiro, como Índia, Alemanha, Itália, Espanha etc. Além disto, temos trabalhado fortemente com as negociações dos canais que representamos, trazendo de fato a popularização da TV paga no Brasil, facilitação de negociações e ajudando o operador de TV e ISP a crescer, auxiliando no plano de negócios e expansão.

Fizemos recentemente novas aquisições que a curto prazo trará ainda mais força à oferta de conteúdo em todos os âmbitos da distribuição. Procuramos ainda nos diferenciar e transmitir conhecimento de ponta a ponta, firmando parcerias sinérgicas e trabalhando nos pilares de inteligência de mercado e ciência dos dados.

Biografia

Carolina Vargas é formada em economia com pós-graduação em estatística e econometria na Universidad Europea de Madrid.

Ela fez pós-graduações em direito digital na Escola Paulista de Direito e arbitragem jurídica na PUC-SP e extensão em direito do entretenimento e propriedade intelectual na Damásio Educacional.

Tem ainda mestrado profissional em administração pela FGV-SP; extensão de comunicação na Universidade Nova de Lisboa, em parceria com a USP; e formação de mediadores e conciliadores na Escola Paulista de Magistratura.

A executiva já teve passagens pela DirecTV, SKY, NET (atualmente Claro Net), HBO e Hypermarcas. Atualmente, ela é fundadora e CEO do grupo Stenna, empresa do segmento de distribuição, intermediação e agenciamento de conteúdo.

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