26/04/2024

Aeiou: por que uma operadora de baixo custo deu errado?

Prometida como uma ‘revolução’ no mercado, a marca é pouco lembrada pelos usuários. Qual foi lição deixada para o setor de telecomunicações?

Sede da Aeiou
Imagem: marcos.malamut (Flickr)

A equação é simples, um orçamento de R$ 250 milhões, um modelo de negócio inédito, atuação certa na maior cidade do país e o público-alvo que não falha quando o assunto é consumo de telefonia: os jovens. Foi assim que a Aeiou (nova roupagem da Unicel) se lançou no mercado. Mas, afinal, você conhece, lembra ou já ouviu falar? Pois é, o que será que deu errado?

No dia 05 de agosto de 2008, o anúncio oficial alarmava a chegava da operadora no mercado. Um modelo talvez parecido com o de uma MVNO, mas que não necessariamente se encaixava nessa categoria, já que a empresa teria sua própria rede.

Em nota, a assessoria de imprensa destacava: “O modelo de negócios da Aeiou vai revolucionar a telefonia móvel brasileira”. A promessa é que o usuário conquistaria o melhor de dois mundos, o controle do pré-pago com as melhores tarifas do pós-pago.

Mas na prática, como tudo isso funcionou? Era uma proposta muito ousada ou exageradamente a frente de seu tempo?

As ideias não se distanciavam do que é praticado hoje no mercado. Flexibilização, preços baixos, curadoria de conteúdo e foco no digital para adesão e atendimento. Como uma proposta aparentemente promissora pode ter dado errado?

É o que vamos descobrir na nova reportagem especial do Minha Operadora:

Por dentro do “inédito” modelo de negócio

Site da Aeiou.
Site da Aeiou. Imagem: Vinícius Martins

A chegada no mercado foi bem devagar, a atuação era apenas na região metropolitana de São Paulo. Um processo simples para primeiro conhecer o mercado, estabelecer uma base, entender a aceitação e depois estudar os maiores passos como uma possível expansão nacional.

O modelo de negócio era mesmo uma novidade na época, onde as grandes operadoras ainda não eram tão avançadas em determinadas demandas, como um atendimento mais digitalizado, por exemplo.

Para começar, a Aeiou fornecia o chip gratuitamente e exigia uma recarga mínima de R$ 20 para que a solicitação fosse realizada. O trabalho era apenas na modalidade do pré-pago e não havia venda de celulares, o foco era mesmo a telefonia móvel.

Outra novidade que a “moderninha” prestadora trouxe, lá no longínquo 2008, mais de 10 anos atrás, foi a operação 100% online, ou seja, a empresa operava de maneira mais otimizada, com apenas 60 funcionários e oferecia um login para usuário acompanhar tudo pelo site.

Informações como consumo de créditos em tempo real, atendimento, suporte e outras poderiam ser facilmente consultadas no portal web.

Em ligação entre celulares da Aeiou, a tarifa por minuto era de R$ 0,14. Já para outras operadoras era R$ 0,63. Para telefones fixos, era possível fazer uma chamada por R$ 0,63 o minuto.

“Além da licença para atuar na área de prefixo 11, na região metropolitana de São Paulo, o executivo (José Roberto Melo da Silva, que foi presidente da operadora) diz que a empresa já planeja sua expansão. Ainda no primeiro ano, a idéia é levar a operação para o interior de São Paulo e, no longo prazo, a companhia planeja ampliar o serviço para o resto do país”, destacou a Valor Econômico em 2008.

De início, existia apenas um nicho de mercado: jovens de classe média. Mas a ideia era expandir cada vez mais. A operadora era controlada pelo grupo Elav e o Hits Telecom.

José Roberto Melo da Silva, que foi presidente da marca, carregou por oito anos o sonho de criar sua própria empresa de telefonia. Na época, a estrangeira Hits Telecom foi a grande investidora do projeto e pretendia fazer da Aeiou a sua versão brasileira.

“A empresa gera toda ligação a partir da compra de um crédito, cujo saldo pode ser acompanhado em tempo real pela Internet, como em uma conta corrente”, disse o executivo para o G1, também em 2008.

Entretanto, para uma operadora criada ancorada na internet, havia um entrave: a empresa começou sem licenças para circular a conectividade de terceira geração, 3G, apesar de contar com a tecnologia GSM.

A primeira campanha, inclusive, fortaleceu o DNA web da empresa e reuniu todas as personalidades que faziam sucesso no YouTube naquele ano.

Confira:

Em outra campanha, a Aeiou investia pesado contra suas concorrentes e fazia um comparativo. Em vídeo, chegou até mesmo a utilizar uma empregada doméstica para ilustrar e enfatizou que uma ligação custava cerca de R$ 1,20 para a profissional, que utilizava uma linha pré-paga, e R$ 0,40 para quem tinha um pós-pago.

A propósito, na apresentação da companhia, o locutor convidado traçava até mesmo um comparativo com gigantes como Google, Yahoo e outras, que nasceram pequenas e hoje são grandes referências de mercado. Começaram ambiciosos, não é mesmo?

Relembre:

Ou seja, é uma campanha que reflete exatamente a estratégia de início adotada pela empresa, oferecer preços baixos para quem queria serviços de telefonia sem ter vínculos de contrato ou fidelidade com as operadoras.

O começo abaixo das expectativas

O vídeo acima ilustra bem a identidade que a Aeiou buscava estabelecer, uma empresa jovem, apaixonada pelo que faz e acima de tudo, “moderninha”. A roupagem, os grafites nas paredes da sede, a identidade visual cheia de cores e até mesmo as campanhas pareciam chamadas comerciais da novela adolescente Malhação.

Lá em 2008, a internet era o futuro, que obviamente vivenciamos hoje. Preço baixo, foco na web, flexibilidade para o consumidor, o que pode ter dado de tão errado para a empresa?

No primeiro ano de operação, a expectativa era atrair 500 mil clientes e havia uma meta de 2 milhões para bater em 2010.

“O NOME É DE FÁCIL MEMORIZAÇÃO, MAS isso não foi suficiente. Pouco mais de dois meses após o lançamento oficial de seu serviço, a quarta operadora celular de São Paulo (não, não se trata da Oi) continua uma ilustre desconhecida da grande maioria dos consumidores, e mesmo de analistas de mercado”, destacou a ISTOÉ Dinheiro em novembro de 2008.

O início das operações foi em setembro, mas no fim daquele mês, a operadora havia conquistado apenas 3.649 novos consumidores. Um número baixo, mas considerado consistente de acordo com os executivos da empresa na época.

Pois se tratava de um “soft launch”, ou seja, lançamento suave, onde o início das operações funciona como uma espécie de teste, preparação de terreno para voos maiores.

Condiz com o anúncio de revolucionária? É uma história do passado, mas vale uma reflexão no marketing. Será que uma proposta é suficiente para criar uma revolução?

A adesão, nos dias de hoje, seria fácil e rápida. Bastaria o usuário acessar o site, fazer o pedido de chip e adquirir uma recarga com o cartão de crédito ou débito. Mas, lá em 2008 era mais fácil acessar a internet ou ir até um ponto de venda físico comprar um chip?

Pois é, naquele mesmo ano, o Brasil possuía uma das piores conexões banda larga do mundo, conforme destacava uma pesquisa da Cisco Systems.

Além do mais, a penetração de acesso e densidade também eram menores do que nos dias atuais, portanto, apesar de promissora, a ideia de depender e focar na internet era também extremamente arriscada para a Aeiou.

Não à toa, naquele mesmo ano, começou-se a cogitar a venda de chips e recargas em casas lotéricas para justamente aumentar o número de clientes e fisgar os consumidores que não tinham cartão ou conta bancária.

RELEMBRE A AEIOU (UNICEL)

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O que disseram os primeiros clientes?

Chip da Aeiou.
Chip da Aeiou. Imagem: Minha Operadora

A primeira dor de cabeça para os compradores da Aeiou foi o sinal de telefonia, que apresentava instabilidades e falhas constantes. O presidente reconheceu, mas novamente trivializou, já que a empresa estava em início de operação.

Por conta disso, eram necessários alguns “ajustes finos”, que só seriam possíveis com o uso dos usuários, conforme a empresa justificou. Porém, uma outra questão também atrapalhou a estreia da prestadora, o envio dos chips.

Se a internet era o único meio de sobrevivência, atrasar a entrega dos chips representava um grande “engasgo” no início das atividades. Na época, um usuário relatou que fez o pedido em agosto, mas só recebeu em setembro. Frustrante para quem estava empolgado em iniciar vínculo com uma nova operadora, não é mesmo?

A promessa foi que tudo estaria resolvido até o fim de novembro e a marca estudava comprar sobras da banda C para levar seus serviços ao interior de São Paulo, mas teria que enfrentar uma disputa com a TIM.

Outra situação que a empresa precisou lidar em seus primeiros passos foi a chegada da Oi em São Paulo.

“A Oi tem uma proposta mais tradicional. Por isso, talvez ela nem seja nossa concorrente. No nicho que queremos atuar, não há concorrência”, afirma o executivo. Como diz a lenda, só falta combinar com os adversários”, destacou a ISTOÉ Dinheiro na época.

Para lidar com a concorrência, a Aeiou seguiu assertiva em seus lançamentos. Ainda em 2008, disponibilizou o Falamaisômetro para seus clientes. Por esse serviço, os consumidores poderiam calcular quanto gastariam na concorrência e o valor que economizavam ao estarem pelos serviços da Aeiou.

Moderna, porém, sem experiência

Loja conceito da Aeiou
Loja conceito da Aeiou. Imagem: Felipe Cepriano (Flickr)

Dos pontos que destacamos acima, podemos observar algumas incoerências. Se uma empregada doméstica foi utilizada como exemplo de público-alvo em um comercial, por qual motivo anunciaram que o nicho era formado jovens de classe média?

A propósito, a viabilização inicial do negócio apenas pela internet passava uma ideia de exclusividade, já que a banda larga ainda não era um serviço comum nas residências brasileiras, especialmente para o público mais interessado em baixo custo na telefonia.

Obviamente, a empresa não conseguiu cumprir suas metas. Com dois anos de operação, as dívidas eram muitas e o número clientes muito baixo, apenas 20,3 mil. Vale destacar que a meta estipulada para início era de 500 mil.

Há 10 anos, em 2010, a empresa já contava com 24 processos relacionados a reintegração de posse, execuções de títulos, despejo, pedido de falência, entre outros.

De fato, a telefonia sempre exigiu investimentos bilionários. Nunca foi um espaço para “aventuras”, era dessa maneira que analistas de mercado viam a Aeiou. A empresa, por sinal, não tinha experiência no ramo e nem mesmo capacidade técnica conhecida.

Por conta disso, muitos se questionavam: como a operadora conseguiu autorização para operar em São Paulo?

Ajudada pelo governo?

Portal da Aeiou
Portal da Aeiou. Imagem: Tetera

Entre os anos de 2010 e 2013, não demorou para que uma suposta ligação do presidente da Aeiou com Erenice Guerra, ex-ministra da Casa Civil, viesse à tona.

Em 2005, José Roberto Melo da Silva, controlador da empresa, participou da licitação para obter frequências de celular, mas depositou apenas 1% em garantias, a exigência era de 10%. Em 2007, ganhou uma nova oportunidade pela Justiça e colocou a diferença.

Entretanto, a Anatel demorou a abrir a proposta da empresa e o empresário enviou uma carta para Erenice Guerra, com a acusação de que havia um favorecimento de empresas.

Apenas um dia depois, a Casa Civil interferiu na agência e a Unicel, que depois virou Aeiou, conseguiu os direitos para operar na telefonia móvel de São Paulo.

Melo da Silva negou que recebeu ajuda da ex-ministra, mas, havia uma ligação pessoal entre os dois, pois ele era amigo do marido de Erenice na época.

De volta para 2010, a operação da Aeiou seguia a deixar os clientes a ver navios. Não era mais possível entrar em contato com o atendimento da operadora, os poucos consumidores que conseguiam ser atendidos eram indicados a fazerem uma portabilidade para outra empresa de telefonia.

As dívidas se acumularam, a sede mudou de endereço e a outorga para exploração do serviço com a Anatel venceu em julho daquele ano. Aos poucos, a operadora simplesmente desapareceu.

“Em um ambiente dominado por gigantes multinacionais, seu plano tinha tudo para dar errado. E deu. A empresa não conseguiu honrar os compromissos, deu calote em clientes e fornecedores e acumulou uma dívida superior a 150 milhões de reais”, reportou a revista VEJA em 2012.

Oficialmente desaparecida

Divulgação da Aeiou.
Divulgação da Aeiou.

Após simplesmente sumir do mapa sem deixar rastros, a finada Aeiou voltou a ser notícia. Dessa vez, por conta de um possível interesse da Nextel. A operadora, conhecida pela operação via rádio, já planejava sua conversão para a prestação de serviços em telefonia móvel.

Por isso, comprar o que restou da prestadora poderia ser uma boa oportunidade para lhe colocar no mesmo patamar que as suas grandes concorrentes: Claro, TIM e Oi.

O negócio era estimado em R$ 500 milhões e seria a luz no fim do túnel para todas as dívidas que ficaram da antiga Aeiou. Havia apenas um entrave: o processo precisava de uma autorização da poderosa Anatel. E agora?

Em Brasília, porém, quem tem amigos no governo pode sempre contar com uma ajuda nos momentos de desespero. A Unicel tem amigos”, disse a VEJA em reportagem.

A revista voltou a destacar a ligação com Erenice Guerra, já mencionada pela imprensa na época, e apostou que a “amizade” poderia ser tudo o que a Aeiou precisava para ter a negociação aprovada pela Anatel.

Porém, a agência extinguiu a outorga da Unicel e a venda para a Nextel ficou impedida, virou história. Foi aqui que a Aeiou chegou definitivamente ao seu fim.

Qual lição ficou para o setor de telecomunicações?

Em primeiro lugar, ao entender toda a trajetória da Aeiou, ou Unicel, fica a lição de que por melhor que uma ideia ou proposta seja, ela não vai resistir se não for colocada em prática no momento certo.

Em suma, como apostar em uma operação exclusivamente via internet se o serviço ainda não era de fácil acesso para todos os brasileiros?

Vale ainda uma adição: era uma operadora de baixo custo, ou seja, pela lógica, atrairia o interesse da população de baixa renda, que ao mesmo tempo, estaria impedida já que a aquisição e utilização dependia da internet.

Portanto, além de surgir no momento errado, a Aeiou parecia despreparada quando o assunto era gestão, atuação e entrega dos serviços que foram prometidos. Uma operação que não condizia, em nada, com a proposta inicial apresentada pela empresa: foco, qualidade, entrega e “revolução”.

Nos dias de hoje, será que a antiga Unicel seria uma MVNO interessante? Com a internet mais desenvolvida, o marketing baseado nos virais e memes e a operação toda voltada para o digital, quem sabe?

Afinal, não se pode negar que apostar no modelo de controle de serviço, atendimento e compra digital era visionário, pois todas as operadoras já atuam dessa maneira nos tempos atuais.

Com informações de Investe, G1, ISTOÉ, UOL, Brasil Econômico, Folha de São Paulo e VEJA.

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