24/04/2024

Presidente da Telecom Italia diz que quer defender a reputação da empresa

A saída do executivo italiano Luca Luciani da presidência da Tim Brasil, anunciada pela empresa há duas semanas, pegou o mercado de surpresa. Desde que Luciani assumira o cargo, em 2009, a Tim havia conquistado 28 milhões de clientes, sextuplicado seu lucro e tomado da Claro o segundo lugar no mercado de telefonia móvel no país. Os resultados da empresa, portanto, não ajudavam a explicar a saída de Luciani. A Telecom Italia, controladora da Tim, também não. Na única nota divulgada pela companhia sobre o caso, constava apenas a informação de que Luciani apresentara sua renúncia a todos os cargos exercidos no grupo. E nada mais. 

Desde então, a imprensa italiana passou a especular que a saída de Luciani fora precipitada pela conclusão de um inquérito conduzido pela Promotoria de Milão, no qual as autoridades italianas investigaram supostas fraudes no balanço da Telecom Itália, entre os anos de 2005 e 2007. Segundo a Promotoria, diretores da empresa, entre eles Luca Luciani, autorizaram o registro ilegal de chips de celular no balanço da Telecom Italia, com o objetivo de inflar a participação da empresa no mercado. Os chips estariam, na verdade, inativos ou registrados em nome de clientes inexistentes.

Pouco mais de dez dias após a saída de Luciani, o silêncio da Telecom Italia finalmente chegou ao fim. Em entrevista exclusiva a uma revista, o presidente do grupo, o italiano Franco Bernabé, falou pela primeira vez sobre o caso. Bernabé reconheceu que a saída de Luciani foi uma medida para preservar a reputação da empresa frente às noticías de conclusão das investigações feitas pela Promotoria de Milão. Ele defende, no entanto, que não houve qualquer tipo de fraude na empresa. Do escritório da Tim Brasil no Rio de Janeiro, o executivo concedeu a seguinte entrevista:

– Como o senhor avalia o trabalho de Luca Luciani à frente da Tim Brasil?
Franco Bernabé: Ele fez um ótimo trabalho no Brasil. A empresa está indo muito bem. Foi uma combinação do bom trabalho do Luca com a competência do time brasileiro.

– Então não havia nada de errado com o comportamento de Luciani ou com seu desempenho?
Franco Bernabé: Absolutamente nada. Nós enviamos o relatório anual da Tim Brasil aos órgãos reguladores no dia 14 de maio. Eu o assinei. E, quando o fiz, me sentia perfeitamente confortável sobre tudo o que estava escrito. Com isso, reafirmamos nossa confiança nos sistemas internos de controle da Tim Brasil.

– Por que a Telecom Italia decidiu demitir Luca Luciani? 
Bernabé: Nós não o demitimos. Nós nos separamos de Luca Luciani. E a razão é simples. A investigação conduzida pela Promotoria de Milão sobre eventos que aconteceram na Itália há mais de cinco anos chegou ao fim. Isso criou muito ruído no mercado e poderia afetar a nossa reputação. Não é bom também para a reputação do Luca. Então, decidimos que era melhor para ele e para a empresa que separássemos nossos futuros.

– O que a investigação final da Procuradoria de Milão apontou que a Telecom Italia ainda não soubesse? 
Bernabé: Antes de mais nada, quero deixar claro que houve apenas a conclusão da investigação. Agora, ela será enviada a um juiz, que então decidirá se haverá um julgamento. Não só Luca ainda não foi considerado culpado de nada, como não há sequer a decisão de encaminhar o caso para julgamento. A razão de tudo isso (a saída de Luciani) é o ruído ao redor do caso, que estava criando uma má reputação para a empresa. Houve discussões pelo jornais, pessoas querendo saber. Não é bom para a companhia, para nós, para Luca. Queríamos parar tudo isso. E isso para no momento em que separamos nossas vidas. Isso reafirma de forma muito contudente a nossa reputação. Não o demitimos. Para demiti-lo, ele teria de ser culpado.

– A empresa então não está convencida de que Luciani é culpado?
Bernabé: Não há sequer a decisão de julgamento do caso. Isso ainda não está em jogo. O fato de eu ter de falar com você e com outros jornalistas para explicar o que aconteceu não é bom. A gente não gosta disso. A empresa tem de se concentrar no trabalho, no mercado, em inovação – e não discutir se alguém é culpado ou se fez algo de errado. Essa é a única razão. Queremos defender nossa reputação.

– Não há um julgamento ainda, mas o fato é que a Telecom Italia pediu à consultoria Deloitte, ainda em 2010, uma análise do caso, diante das notícias sobre a investigação conduzida pela Promotoria de Milão. Segundo a própria Telecom Italia, a Deloitte identificou 6,8 milhões de chips “registrados ilegalmente” pela companhia entre os anos de 2005 e 2009.
Bernabé: Não foi ilegalmente. Infelizmente, por conta de problemas de tradução, houve muita coisa entendida de maneira errada. Para esclarecer: trata-se de algo muito simples. Na Itália, há uma legislação antiterrorismo que impõe um controle rígido sobre quem é o dono do chip. Para cada chip em circulação, é preciso haver uma identificação precisa do dono, com a cópia de seu documento de identidade. Então, trata-se de um conjunto de regras complexo. Os sete milhões de chips não foram ilegalmente registrados ou qualquer coisa assim. Houve, na verdade, um registro irregular. Por exemplo, se a empresa não guarda uma cópia do documento de identidade, é um registro irregular. Se você tem mais de um chip em seu nome, também se torna irregular. Eu mesmo tenho mais de cinco chips em meu nome, porque tenho um iPhone, um Blackberry, um tablet… Se você tem mais de cinco chips, é um registro irregular. Há um número enorme de casos que se enquadrariam em irregularidades. Então, falar em sete millhões de chips registrados ilegalmente é completamente fora de questão. Nunca houve esse problema. 

– Mas a própria Telecom Italia usou o termo “ilegalmente” quando apresentou o resultado da auditoria feita pela Deloitte.
Bernabé: Nós falamos registros irregulares. (O documento no qual a empresa usa o termo “ilegalmente” está no site de relações com investidores da Telecom Italia, em inglês. Clique aqui para acessá-lo)

– O caso então seria fruto apenas de uma falta de documentação no momento do registro dos chips de celular?
Bernabé: Sim. Isso e uma série de coisas. Falta de documentos, documentação irregular, há muitas razões diferentes para essas irregularidades no registro dos chips. Mas não houve fraude. Aliás, o Procurador de Milão não chegou à conclusão de fraude. Para ser preciso, a denúncia é referente à “obstrução do trabalho de autoridades reguladoras”, o que é muito diferente de fraude.

– A Deloitte calculou entre 19,9 milhões de euros e 27 milhões de euros o impacto econômico que a ativação illegal de chips trará para a Telecom Italia. A que exatamente esse valor se refere e quando a empresa saberá o montante exato? 
Bernabé: Isso é muito básico. Quero dizer, não há custo óbvio para a companhia nisso. Mas é um caso legal tão complexo que vamos ver no final. É um caso legal muito sofisticado.

– Mas se a empresa não está convencida de que houve fraude na Itália e o senhor afirma que a Procuradoria de Milão não está denunciando a empresa ou nenhum de seus ex-executicos por fraude, por que demitir Luca Luciani agora?
Bernabé: Eu disse no início: nós não demitimos Luciani.

– Desculpe. Por que acordar com Luciani que seria o momento de ele e a empresa seguirem caminhos diferentes?
Bernabé: Você percebe que está me fazendo a mesma pergunta? Você considera isso normal? Nós não. Nós consideramos normal falar sobre projetos, sobre inovação.

– O senhor está me fornecendo novas informações….
Bernabé: É verdade. Mas você vê: fizemos isso (acordamos a saída de Luciani) porque não queremos falar sobre o assunto, não queremos que nossos executivos estejam sob suspeita. Não entramos no mérito se é culpado ou não. Isso o juiz irá decidir. Não queremos que o nome da empresa seja discutido nos jornais em relação a casos assim. Mas isso não é uma indicação de que alguém é culpado ou não. Queremos defender a reputação de nossa empresa. E ela está defendida ao não ter os jornais discutindo assuntos complexos como esse, se é básico de entender, se houve ou não houve, o que essa obstrução do trabalho das autoridades reguladoras significa, se é um problema ou não. Não é algo que queremos nos envolver.

– A Telecom Italia divulgou em seu site, no dia 15 de maio, um documento em que esclarecia questionamentos feitos pela Consob (órgão que regula o mercado de capitais italiano). Nele, a empresa afirmou que “os funcionários envolvidos no caso dos SIM Cards foram prontamente suspensos pela empresa assim que as investigações surgiram”. (Cliqueaqui para ler o documento, em inglês)
Bernabé: Isso é outro caso. Nós suspendemos pessoas que estavam diretamente envolvidas nisso. No caso de Luciani, ele era o executivo sênior e, até onde sabemos, não há indícios de que ele tenha participado ativamente. Digo, a gente demitiu algumas pessoas, mas essas pessoas não estavam seguindo as regras da companhia e foram demitidas por razões disciplinares. Mas isso não tem relação com a investigação criminal ou qualquer coisa nesse sentido.

– Que tipo de regras os funcionários demitidos quebraram? 
Bernabé: Numa empresa enorme como a Telecom Italia, se um gerente não segue as regras… Todos os dias fazemos investigações internas.

– Mas o documento da Telecom Italia dizia que as demissões estavam relacionadas ao caso do chips.
Bernabé: Veja o que aconteceu com o J.P Morgan recentemente. Eles perderam 2 bilhões de dólares porque um funcionário não seguiu as regras. Isso causou um prejuízo enorme à empresa. Não estamos discutindo sobre prejuízos financeiros causados a Telecom Italia. Estamos discutindo prejuizos à imagem da Telecom Italia. Acho que merecemos o crédito por agir prontamente e de forma muito ativa para defender os interesses da companhia e dos acionistas. Não está em questão se algumas pessoas são culpadas ou não. Isso é uma questão de reputação. É sobre pessoas falando algo que não queremos discutir. É uma ótima empresa, com um grupo de executivos competentes, que fizeram um excelente trabalho e que têm muito a fazer no mercado brasileiro.

– A Telecom Italia informou que, em 2007, Luca Luciani recebeu um bônus de 45 000 euros por bater metas referentes ao número de chips registrados na companhia. A empresa esclareceu, no entanto, que Luciani decidiu devolver o dinheiro a Telecom Italia de forma voluntária e que o montante foi “recuperado por meio de deduções de seus salários seguintes”. Quando ele decidiu devolver este valor?
Bernabé: Em 2008. 

– Mas por qual razão?
Bernabé: Porque nós descobrimos que o bônus foi pago, mas não devia ter sido pago. O que quero deixar claro é que queremos ter o padrão mais alto de reputação possível. O que fizemos pouquíssimas empresas fariam. Tomamos uma posição ativa em relação a isso e agora isso se volta contra nós. Divulgamos tudo, fomos claros e merecemos um crédito por isso.

– A Telecom Italia decidiu fazer uma auditoria na Tim Brasil nos últimos dez dias. Por quê?
Bernabé: Estamos certos de que tudo está em ordem no Brasil, porque temos auditores regulares e controles internos eficientes. O que queríamos fazer antes de enviar o relatório anual era ter o carimbo de uma auditoria independente nos sistemas internos de controle. Os auditores e advogados independentes refizeram alguns testes, escolheram o que consideravam importante ser analisado e concluíram que tudo estava em ordem. Mas não fizemos a auditoria porque tínhamos dúvidas. Tínhamos certeza de que não era o caso. Mas queríamos um teste independente para deixar todos confortáveis de que tudo estava certo.

– Mas o fato de não se ter encontrado irregularidades muda a situação de Luciani?
Bernabé: Não, porque sua saída não teve nada a ver com o Brasil. Repito: tem a ver com a reputação da empresa. Não é algo que eu goste de falar. Eu acho que eu não deveria estar falando sobre isso e espero não ter de falar em uma nova ocasião.

– Emails trocados entre Luca Luciani e Rogério Takayanagi, agora no comando da Tim Fiber, mostraram que Luciani não autorizou a limpeza de chips inativos da base de clientes da Tim no Brasil em pelo menos uma ocasião. O senhor sabia que a empresa adotava essa prática no Brasil? 
Bernabé: Segundo o nosso time local, ao manter cartões inativos você paga muito dinheiro em impostos. Por isso, não é razoável manter chips que não estão sendo usados em sua base. Há uma política da Telecom Italia que define os termos e condições para o cancelamento de números de usuários.

– Não ficou claro: a empresa sabia que no Brasil algumas vezes o time local tomava a decisão de não limpar a base de clientes?
Bernabé: A Telecom Italia faz as regras e é responsabilidade dos executivos segui-las. A gente pode apenas inspecionar se as regras estão sendo seguidas. Não sabemos o que está acontecendo. Apenas por meio das inspeções. As verificações que fizemos no Brasil não mostraram qualquer problema específico. Não sou o gerente de nenhuma das empresas, quero apenas que os executivos sigam as regras.

– O que a Telecom Italia está fazendo para garantir que a saída de Luciani não afetará os resultados da Tim Brasil neste ano?
Bernabé: Temos um time no Brasil que se mostrou bastante eficiente. Vem daí nossa confiança de que os resultados se manterão. Enviamos ao Brasil o diretor financeiro da Telecom Italia, Andrea Magoni. Ele é um executivo sênior na companhia e foi presidente de uma grande empresa italiana. Ele comandará a Tim Brasil até encontrarmos o novo executivo para ocupar a presidência.

– O senhor já sabe se será um executivo italiano ou brasileiro?
Bernabé: Será o melhor para o cargo. O passaporte é irrelevante.

– A Tim Brasil se tornou uma operação extremamente importante para a Telecom Italia e representa hoje sua principal fonte de crescimento. Qual sua expectativa em relação ao desempenho da Tim Brasil nos próximos anos?
Bernabé: A expectativa é que siga crescendo, como vem sendo até agora, e preservando sua reputação, como estamos fazendo neste momento.

* Entrevista publicada sob licença da revista EXAME.
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