29/03/2024

Para especialista, Justiça errou ao liberar o ‘compartilhamento’ de internet

Na semana passada o Tribunal Regional Federal decidiu que compartilhar internet não é crime. Mas é, segundo um especialista no assunto. Na visão de Dane Avanzi, a sentença do juiz Carlos D’Avila Teixeira, magistrado que deu o veredicto, “foi muito infeliz”.


Dane é diretor superintendente do Instituto Avanzi, uma ONG que defende os direitos de consumidores de telecomunicações. Ele acredita que faltou assessoria técnica ao magistrado e disse que a ação movida pelo Ministério Público Federal que gerou essa polêmica nem deveria ter existido. “É descabida, como chover no molhado”, comentou, “o Brasil perde muito tempo discutindo o óbvio.”

Essa visão se baseia na condução do tema. O TRF não teria declarado que compartilhar internet é legal se o MPF não o tivesse questionado. O órgão abriu a ação justificando que o prestador oferece dois tipos de serviço: um de telecomunicações e outro de valor adicionado, sendo que a internet é parte do primeiro como comunicação multimídia e, para o TRF, o compartilhamento da rede é parte do segundo.

A Lei Geral de Telecomunicações (nº 9.472/97), que rege a atividade do setor há 16 anos, institui que a empresa prestadora deve conseguir uma outorga (a concessão) junto ao governo. Então fica com o direito de oferecer serviços de comunicações, dentre os quais está o multimídia, em que consta a internet.

O prestador precisa cumprir várias obrigações, como prover atendimento, estrutura técnica, padrões de equipamentos, equipe de engenharia, entre outros, para poder ter clientes. Só que quem contrata isso tudo também tem o que cumprir, e no contrato é especificado que você só pode utilizar o serviço no endereço contratado.

“É uma situação muito parecida com a da TV a cabo e da energia elétrica, você não pode fazer gato porque é crime de furto”, explica o especialista.

“Bastou a simples instalação de uma antena e de um roteador wireless para que fosse possível a efetiva transmissão de sinal de internet por meio de radiofreqüência. Portanto, a conduta do réu resume-se à mera ampliação do serviço de internet banda larga regularmente contratado, o que não configura ilícito penal”, justificou juiz D’Avila Teixeira, em sua decisão.

Segundo ele, o crime ocorreria em caso de “transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios óptico ou qualquer outro processo eletromagnético de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”.

Entretanto, como alega Dane, o crime recai sobre a conduta, e não sobre o método utilizado. A internet não deveria ultrapassar os limites do endereço contratado e nenhum método de transferência de sinal pode mudar isso.

Uma pesquisa divulgada nesta semana revelou que há pouco mais de 7 milhões de brasileiros usando internet do vizinho, algo que tende a aumentar com a descriminalização do compartilhamento de sinal. O país também pode gerar um mercado alternativo legalizado com potencial de desestruturar todo o setor de comunicações multimídia.

“O cidadão desonesto pode montar um condomínio clandestino e, quando a Anatel bater na sua porta para reclamar, ele diz que está no seu direito”, adverte Dane.

“Você está lesando a empresa que pagou outorga, pagou impostos, tem equipe etc., e está lesando o erário, porque o governo ganha em cima de cada assinatura. Do jeito que está, se você contratar o serviço e todos os seus vizinhos pegarem o sinal, ao invés de vender 10 assinaturas, a operadora vai vender uma só e a qualidade do serviço vai cair, os consumidores não terão como reclamar e o sinal vai ficar congestionado.”

Por ora, a prática não configura crime, mas a discussão pode subir mais degraus e chegar até o Supremo Tribunal Federal, que terá poder definitivo para decidir entre liberar o “gato” de internet sem fio ou cortá-lo, como vinha sendo feito.
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