25/03/2024

Nas favelas do Rio, a revolução chega pelo telefone celular

Ao saber que os dois bondes que levam ao morro Dona Marta estão parados, Thiago Firmino pega imediatamente seu telefone celular. Com o aparelho, ele fotografa, conecta-se à internet e envia uma reclamação, via Twitter, ao governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

Morador da favela, guia de turismo e DJ nas horas vagas, Thiago está sempre com um aparelho nas mãos. Onde há problema, o jovem de 32 anos está lá para reclamar. E o que dá tanta liberdade para ele é, sem dúvidas, o telefone celular. “Foi como uma pequena revolução, que aconteceu pouco a pouco”, conta Thiago.

Através do celular (um smartphone de última geração) ele dá voz aos problemas da sua comunidade. Do buraco na rua à falta de luz, nada passa despercebido por ele.

E nos últimos dias, em meio à onda de manifestações que acontecem em todo o Brasil contra os gastos com a Copa de 2014 e por melhores serviços públicos no país, o celular se tornou indispensável.

“A gente troca SMS, envia mensagem pelo whatsapp e combina como fazer para ir ao protesto. Vou à manifestação com meus dois telefones carregados”, explica Thiago, que pretende enviar fotografias do movimento ao vivo pelo Twitter.

Dono de dois aparelhos, com números de operadoras diferentes, o celular é ferramenta de trabalho para Thiago. “Assim posso agendar as visitas guiadas, me comunicar com os clientes”.

A favela Santa Marta foi a primeira a receber uma Unidade de Polícia de Pacificação (UPP), em 2008. Também a primeira a contar, desde 2011, com cobertura de internet wi-fi gratuita.

No Brasil, 30 smartphones são vendidos por minuto, segundo estudo divulgado este ano feito pela consultoria LCA.

Outra pesquisa, da Our Mobile Planet, realizada pelo Ipsos Media CT, mostra que 14% da população brasileira tem um smartphone, o equivalente a 27 milhões de usuários. Na França, este número é de 25 milhões.

“Mas esse wi-fi da comunidade funciona muito mal”, diz Thiago, que já reclamou diversas vezes do problema nas redes sociais. Por causa do mau sinal, os moradores se reúnem todas as noites na praça do Cantão, onde a conexão é melhor. “Todo mundo vem para a praça para entrar no Facebook”, explica Daiana Santos, 21 anos.

Cerca de 73 milhões de brasileiros eram usuários do Facebook até março deste ano. Um número seis vezes maior, comparado aos 12 milhões de usuários em fevereiro de 2012, informou a Ipsos Media CT à AFP.

“A nova classe consumidora quer ter acesso a este tipo de tecnologia, e o morador da favela já possui o crédito necessário para fazer tais aquisições”, afirma Luís Anavitarte, vice-presidente de pesquisas em mercados emergentes da consultoria em tecnologia Gartner, em referência aos 40 milhões de brasileiros que ingressaram na classe média na última década.

Segundo o especialista, o potencial de consumo de tecnologia como os telefones celulares e smartphones da nova classe média brasileira é, aliás, superior ao das camadas médias da sociedade indiana, em uma comparação entre dois gigantes emergentes. Isso porque, em média, a renda dos moradores das favelas no Brasil é mais elevada do que a de habitantes de áreas similares no país asiático.

De acordo com a Anatel, no final de janeiro deste ano existiam 262,2 milhões de telefones celulares em funcionamento no Brasil. “Em 2013 os gastos dos brasileiros com tecnologia em geral devem chegar aos 123 bilhões de dólares”, prevê a consultoria Gartner.

Em média no Brasil há mais de um celular por habitante. São 133 aparelhos habilitados para cada cem brasileiros.

“Aqui a gente usa o celular pra tudo”, diz Sara Machado, de 52 anos, moradora da favela Chapéu Mangueira, no Leme, bairro nobre do Rio de Janeiro. Ela conta que, até pouco menos de 15 anos, era muito difícil ter um telefone fixo. Além de caras, as linhas telefônicas não chegavam até o morro.

“Agora a gente fica sabendo o que acontece por este aparelhinho aqui”, diz Sara, mostrando o celular. Ela ainda não aderiu aos smartphones. “Com este aqui faço tudo, chamo o mototáxi, falo com meu filho”.

Doutor em comunicação e cultura contemporânea e professor da Universidade Federal de Alagoas, Sivaldo Pereira acredita que o celular contribui para o fim da marginalização das favelas. “A tecnologia propicia trocas, leva o que acontece nestas comunidades para outras partes da cidade”, explica.

Espécie de correspondente do que acontece no morro Dona Marta, o mais íngreme do Rio de Janeiro, Thiago Firmino acredita que a comodidade do telefone celular é insubstituível. “Quem não tem, fica preso no alto do morro, não expande os horizontes”.
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